sexta-feira, outubro 14, 2005

Gilberto Gil no "The Guardian"


Da música à política ... Gilberto Gil. Fotografia: Eamonn McCabe

Ministro da Contra-cultura

Gilberto Gil é uma lenda musical, e um político veterano brasileiro. Ele conta a Oliver Burkeman como a pobreza pode ser desafiada se as idéias são compartilhadas livremente.

Gilberto Gil hoje em dia usa um sóbrio paletó e gravata, as suas tranças estão acinzentando em suas têmporas. Mas logo se lembra que, mesmo sendo o ministro da cultura do Brasil, você está na presença de um dos maiores músicos latino-americanos dos anos 60 e 70 quando pergunto sobre suas influências intelectuais e ele cita Timothy Leary. "É isso aí!" Diz Gil feliz, balançando na sua cadeira na Sociedade Real das Artes em Londres. "Por exemplo, todos aqueles caras do Vale do Silício - todos eles basicamente são provenientes da cultura psicodélica, sabia? Os processos de expansão cerebral do cristal teve muito a ver com a Internet."

Resto da postagem

Apesar de que hoje em dia é de praxe os jornalistas perguntarem se os políticos alguma vez fumaram maconha, essa pergunta, visto as circunstâncias, não valeria o esforço. As referências constantes de Gil à contra-cultura hippie não são simplesmente nostalgia de uma pessoa com 63 anos de idade e com mais de 40 albuns com o seu nome. Desde muito, debaixo do radar do resto do mundo, o governo brasileiro tem construído uma contracultura própria. O campo de batalha tem sido o da propriedade intelectual, a propriedade de idéias, e a revolução tem tocado em tudo, desde o compartilhamento de arquivos pela Internet até colheitas Geneticamente Modificadas e medicamentos contra o HIV.Companhias farmacêuticas que vendem drogas patenteadas contra a AIDS, por exemplo, foram informadas que o Brasil simplesmente iria ignorar suas reivindicações de propriedade e copiar os seus produtos para torná-los mais baratos se eles não oferecessem descontos maiores. (Os descontos estão por vir.) Até mesmo Gil se colocou contra novas formas de leis de direitos de cópia, habilitando músicos incorporarem partes de trabalhos de outros nos seus próprios trabalhos. E em uma pequena iniciativa que só vem a somar a tendência, a administração de esquerda do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou "Lula", anunciou que todos os ministérios irão parar de usar o "Microsoft Windows" nos seus computadores. Ao invés de pagar o olho da cara pelas licenças dos sistemas operacionais da Microsoft, ao mesmo tempo em que milhões de brasileiros vivem na pobreza, o governo utilizará software de código aberto, desenvolvidos colaborativamente por programadores do mundo todo e pertencente a ninguém.

"Essa não é só uma idéia minha, ou a idéia do Brasil," fala Gil."É a idéia do nosso tempo.A complexidade do nosso tempo exige isso." Ele é político o suficiente para se conter no seu endosso à quebra das leis, por exemplo no download de músicas, mas somente isso. "O governo brasileiro definitivamente é a favor da Lei," sorri. "Mas se a Lei não está mais adequada a Realidade, a Lei tem que ser modificada. Isso não é uma coisa nova. É como a própria civilização é."(Ele pessoalmente não é uma pessoa hi-tech, é o que ele diz, mas prontamente admite que seus tenham "provavelmente" feito um grande número de downloads ilegais.)

Gil vive dentro dessa filosofia, sua música baseada no violão sempre foi, de certa forma, de código aberto, misturando as influências da bossa nova, do samba, do reggae e do rock, e ele sofreu por causa disso também. A Tropicália, o movimento contrário as instituições oficiais que ele ajudou a fundar no Brasil nos anos 60, punha em risco a ditadura militar e em 1968 ele foi preso, juntamente com seu colaborador musical, Caetano Veloso, com quem ele dividia o status de um Lennon e McCartney latino americano. Colocado em liberdade depois de diversos meses, ele foi instruído que deveria deixar o país e mudou-se para Londres. A sua fama o acompanhou na Europa e ele continuou a se apresentar com o Pink Floyd e Jimmy Cliff, entre outros.

"Como a maior parte dos artistas e músicos, eu me considerava uma pessoa a parte da vida política." diz. "Mas tive um "Insight" que talvez teríamos alguma contribuição política a fazer no futuro. Eu me lembro contando a uma garota brasileira que costumava fazer parte da nossa comunidade aqui em Londres, ''Terei um papel a fazer na política, no futuro!'' E agora... é o futuro."

Gil está em Londres como assinante da Carta Adelphi da Academia Real de Artes sobre Criatividade, Inovação e Propriedade Intelectual, que pede aos governos conterem o movimento das grandes corporações favoráveis à propriedade de idéias. A campanha abrange de tudo, desde a miopia da industria musical quanto ao download de músicas pela Internet, até os recentes esforços de uma firma do negócio agrário de patentear o arroz basmati, e então cobrar dos fazendeiros indianos pelo privilégio de o plantarem.

Os Defensores de tais investidas insistem que fortes leis de patentes são cruciais, e que sem elas, ninguém teria o incentivo de desenvolver novas idéias, e que qualquer outra coisa poderia impedir a inovação. Gil e sua equipe de ministros têm uma teoria oposta: Apesar da lei da propriedade intelectual ser uma idéia do século 20 e muito do florescimento da civilização mundial ter acontecido de uma maneira muito boa sem ela. "O século 20 é um beco sem saída," diz Cláudio Prado, czar da cultura digital no Brasil, em Londres com Gil. "E o motor do progresso não tem uma marcha ré, dessa maneira é difícil para o primeiro mundou sair desse beco sem saída." Primeiramente o fato de que muitos brasileiros ainda vivem em condições do século 18 ou 19, ele diz, significa que o país tem uma oportunidade de acelerar dentro do século 21 sem entrar nesse beco sem saída.

Evangelistas da Internet adoram exagerar a "sociedade em rede", mas isso, argumenta Prado, é o que o Brasil tem sido há séculos, "Em uma favela brasileira, as coisas funcionam dessa maneira," ele diz. "Você vai e ajuda o seu vizinho a construir sua casa. Ou pegue o Carnaval, esse é um processo totalmente colaborativo. Sessenta mil pessoas, despreparadas. É isso que se faz quando não se tem dinheiro. Você colabora."O Brasil investiu milhões de dólares para trazer o acesso ao computador nas partes mais pobres do país, mas o principal, não é que o governo do Presidente Lula esteja "abraçando" a internet.É que a sociedade brasileira, de certa maneira, era no seu íntimo um tipo de Internet antes do fato.

Tudo isso deixa o ministro com pouco tempo para escrever canções. "Eu nem mesmo pensei sobre isso," diz Gil."É um tipo muito diferente, drástico de tempo que você tem que dar para escrever música. Desse modo há três anos eu nem mesmo considerei isso, a última canção que escrevi foi antes do ministério. Mas agora, conforme as minhas rotinas se tornarem um pouco mais controladas, vou juntar motivação de novo. Vou ler documentos para o trabalho, por exemplo, no avião, e uma idéia vêm e escrevo atrás da página. Não é uma preocupação, mas estou deixando isso vir, lentamente."

Apresentar-se, diz, é mais importante e de vez em quando deixa sua esposa Flora, com quem divide uma casa no Rio de Janeiro, para se apresentar no exterior. Ele certamente deve ser o único político em serviço a ter completado uma turnê de 22 shows na Europa até agora.

Os dois mundos da música de Gil e de sua política se misturaram mais fortemente quando ele anunciou que permitiria que algumas de suas músicas fossem gratuitamente baixadas. A Time Warner, que tinham a propriedade das licenças em questão, rapidamente anunciou que, na verdade, ele não permitiria."Isso demonstrou o quanto é difícil a situação," ele diz."Um autor não é mais o proprietário. Ele não exercita os seus direitos. Os seus direitos são exercidos por outra pessoa, e algumas vezes os dois não coincidem."

Ao explicar a sua visão, ele junta as palmas das mãos e traça formas curvas no ar.

A Time Warner venceu, "por enquanto", mas é uma característica do Gil que ele considere a experiência de um lado bastante positivo e divertido."Eu acho que é um grande avanço, que o ministro da cultura do Brasil esteja cuidando dos interesses de um artista brasileiro," diz, "e que por acaso seja ele mesmo."

Uma traquinagem semelhante parece ter explicado a resposta do governo quando um oficial acusou a Microsoft de se comportar como um traficante de drogas ao ceder software gratuito para fazer os clientes dependentes de seus produtos. A Microsoft do Brasil processou, mas a administração simplesmente ignorou o caso, e a companhia no final retirou o processo. "Mas não é demagogia," insiste Gil, se você o acusa de ser somente provocativo."Isso é pedagogia."No final, em outras palavras, o mundo irá aprender.

Fonte: The Guardian

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